Mundaú: a laguna sufocada pelo lixo


Autor: Marcos Marabá
Fonte: http://www.tnh1.com.br/

22/05/2016 10h55

Os movimentos são rápidos. As mãos calejadas trabalham em ritmo quase que automático. Depenicar o sururu, um molusco retirado da Laguna Mundaú (chamada Lagoa Mundaú), na periferia de Maceió, é o ofício de Dona Raquel Correia da Silva, há mais de 25 anos. Os ferimentos causados pela casca que envolve o alimento já não fazem mais diferença para ela, após tanto tempo repetindo os mesmos movimentos.

É tarefa dela retirar a sujeira que vem envolta à casca. Mas o dia só está começando. Ainda restam muitos quilos do produto para limpeza. O serviço é terceirizado, e contratado por quem ainda vai cozinhar o alimento e vendê-lo no mercado. “A gente chega a receber sessenta reais por semana”, diz dona Raquel.

O valor recebido pelo trabalho é muito pouco, mas, a maior preocupação de dona Márcia é garantir que, pelo menos, ela ainda tenha o sururu para depenicar. Isso porque, com a poluição da laguna, o alimento está, segundo os pescadores, cada vez mais escasso. “Se não for do sururu, a gente vai viver de quê? Não tem emprego”, questiona.

Do lado de Márcia, Anny Madilene vive o mesmo drama. Saiu de Pernambuco há 20 anos para vir morar em Maceió. Desde então vive do sururu, mas está preocupada, pois vê sua fonte de renda ameaçada. Questionada sobre qual seria a solução, ela emenda uma resposta rápida: “Tem que limpar essa lagoa. O lixo tá demais” - alerta.

Anny tem razão. São toneladas de lixo e dejetos despejados todos os dias na Laguna Mundaú, principalmente no trecho entre as cidades de Maceió, Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco. São 23 km quadrados de área. Os canais que desembocam nesta importante unidade lagunar trazem todo tipo de lixo. Desde garrafas pet a restos de móveis.

Na Avenida Senador Rui Palmeira, que margeia a lagoa, conhecida como Dique Estrada, vários “lixões” são formados no percurso de 7 km da via. São restos de cascas de sururu, sacolas plásticas, móveis e entulhos além de carcaça de amimais.

Convivendo com a sujeira, moram centenas de famílias nas favelas construídas na região. Lonas e madeiras reaproveitadas de construções fazem parte da estrutura, constantemente ameaçada pelo vento, chuva e calor.

Mesmo com esses problemas, Dona Maria, que havia saído da favela Sururu de Capote, retornou há pouco menos de três meses. “Eu não tinha para onde ir e voltei”, alega. Maria reclama que, além do lixo, tem de conviver com os roedores que invadem o barraco. “É muito rato e barata”, lamenta.

Situação semelhante que Maria Bezerra dos Santos, moradora de um dos casebres do outro lado da laguna vive. Segundo ela, não há possibilidade de deixar panelas ou utensílios descobertos, pois as moscas e outros insetos tomam conta. “Com tanta doença por aí, fico com medo meu filhos pegarem”, alerta referindo-se às doenças causadas, principalmente, pelo mosquito Aedes aegypti.

O mais grave Maria informa; “Nem mesmo o sururu a gente pode comer porque a lagoa está poluída”.

Laguna 'sustenta' quase 3 mil pescadores

A poluição destrói o meio ambiente e o meio de vida de quase 3 mil pescadores que dependem da laguna. Cícero dos Santos diz que, além do sururu, o peixe está desaparecendo. “É uma tristeza”, diz em tom de desesperança.

Mesmo sentimento é o de Dona Selma Santos, que tem um casebre de alvenaria à beira da laguna. Com as mãos depenicando o sururu e o olhar perdido nas águas da Mundaú ela desabafa: “Todos os dias eu vejo essa lagoa morrendo e ninguém faz nada”.

Selma também reclama que, somente no período eleitoral, os políticos fazem uma limpeza paliativa. “Somos esquecidos”, argumenta.

Embora sintam o problema da poluição, alguns moradores da favela têm a consciência de que também são causadores dele. José da Silva diz que não adianta resolver a poluição sem tirá-los da favela. “Nós mesmos poluímos. A gente não tem banheiro e faz as necessidades em sacolas, depois joga na lagoa”, informa meio constrangido.

José diz que enquanto alguns saem da favela, a mesma quantidade ocupa o lugar. “Tem que tirar todo mundo”, sugere.

Retirada das favelas

De acordo com a Secretaria de Estado da Infraestrutura , o Governo de Alagoas está empenhado em oferecer habitação de interesse social, dentro do Programa de Urbanização da Orla Lagunar. “Já temos o projeto da Vila São Pedro, com 120 residências, concluído, para o qual serão investidos R$ 5,6 milhões. No momento, ele está em fase de tramitação e aprovações” - destaca Aparecida Machado, secretária de Estado da Infraestrutura.

Ainda segundo a secretária, as tramitações envolvem licença ambiental, autorização da Superintendência Municipal de Controle e Convívio Urbano (SMCCU) e do Corpo de Bombeiros, análise da Caixa Econômica Federal e aprovação do Ministério das Cidades – órgão responsável pela liberação do recurso.

Esgotamento Sanitário

Para a Orla Lagunar, o Estado informa que também atua na 3ª etapa do Sistema Baixa Maceió, que irá contemplar os bairros Trapiche da Barra, Virgem dos Pobres, Vergel do Lago, Coreia, Cambona e Ponta Grossa com sistema de esgotamento sanitário”.

“A obra foi contingenciada para que fossem respondidos questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), referentes à antiga gestão. Todas as justificativas técnicas já foram respondidas e, no momento, a Secretaria de Estado da Infraestrutura aguarda posicionamento da Controladoria-Geral da União (CGU)” – explica a secretária.

Fiscalização e monitoramento

Está no código ambiental de Maceió. Toda a região da laguna Mundaú é área de proteção ambiental, prevista na Lei 4.548/96, incluindo a vegetação e as ilhas. De acordo com a Secretaria Municipal de Proteção do Meio Ambiente de Maceió, (Sempma), além de equipes de fiscalização em solo no entorno da "Lagoa Mundaú", há o trabalho na água, com duas motos aquáticas e uma lancha para identificar efluentes vindos de estabelecimentos comerciais ou residências.

Ainda de acordo com a Sempma, “também é realizado o monitoramento de áreas de manguezal para verificar se há supressão obras de construção irregulares nas margens da lagoa, e feito acompanhamento para identificar avanço para as margens da Lagoa com atividades que configuram crime ambiental como o assoreamento – a prática criminosa de depositar sedimentos que acaba por desregular fluxo de águas e que está associada a enchentes e alagamentos. Essas ações são passíveis de fiscalização com a expedição de auto de infração, com geração de multa, aos responsáveis” – diz nota enviada ao TNH1.

Educação ambiental

Tão natural quanto a prática da pesca é a do descarte irregular de lixo e esgoto pela população. Sem a conscientização de que a poluição afeta a continuação da vida no lugar, todo o trabalho feito pelo poder público parece em vão.

Mas, de acordo com Sempma, campanhas de educação ambiental são frequentemente realizadas nas regiões afetadas, principalmente nas escolas.

Trabalho, sustento, meio ambiente, vida. São palavras que se entrelaçam na importância das águas da Lagoa Mundaú. Da mãe generosa que garante o sustento de muitos, o sofrimento de não ter o mesmo “amor” como retorno.